Na mesma proporção que cresce a procura pelas plataformas para locação de imóveis para curta estadia, como o Airbnb, aumentam os desajustes que a popularização da novidade incita.
Afora a divergência do setor hoteleiro por não conseguir competir com as tarifas baixas oferecidas pelas plataformas – que não recolhem impostos como os hotéis –, e sem contar a redução do número de imóveis disponíveis para aluguel residencial de longo prazo, há ainda a resistência dos moradores de condomínios às locações.
Há até um recente Projeto de Lei (PL 2.474/2019) tramitando na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) que pleiteia inserção na Lei das Locações (Lei 8245/91) de determinação de que seja feita votação com quórum de 2/3 dos condôminos para definir se a prática será permitida e quais as regras a serem aplicadas.
Rodolfo Nunes Ferreira Batista, coordenador da área Cível do escritório Claudio Zalaf Advogados Associados, pondera o PL: “soa estranho depender da permissão dos outros para poder locar um imóvel particular. A saída para a questão é pela convenção de condomínio, que deve prever regras de segurança a serem observadas pelos locatários das plataformas digitais”, sugere o especialista.
Pesquisa em condomínios
O advogado frisa que a Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (Aabic) realizou recente pesquisa junto às administradoras de condomínios de São Paulo e constatou que 47% dos prédios da capital já discutiu o assunto em suas assembleias, sendo que 64% deles decidiu por proibir ou restringir a locação por aplicativos.
Batista salienta que os condomínios priorizam a questão da segurança limitando o acesso de terceiros, contratando empresas de vigilância, utilizando câmaras e impondo registros de acesso cada vez mais sofisticados. Porém, a grande rotatividade de locatários gerada com a locação de curto período vai contra estas ações.
Outro ponto de resistência dos moradores refere-se ao desrespeito às normas internas pelos locatários, que violam a regra de silêncio, uso da piscina e da academia, etc.
Proibições impostas
Diante dos problemas enfrentados pelos condomínios, vários deles iniciaram um “contra ataque” aos aplicativos de locação, enquanto não há uma lei específica sobre este serviço. Alguns acabaram por proibir este tipo de aluguel através da alteração da Convenção do Condomínio. Outros sustentam que não se faz necessária a proibição aos aplicativos, bastando que conste na convenção que o condomínio tem finalidade residencial e que o aluguel de curta duração pode ser entendido como serviço de hotelaria.
Batista afirma que o judiciário tem se manifestado de forma diversa. Recentemente o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro proibiu a locação de um apartamento em Ipanema pelo período menor que 30 dias e para mais de seis pessoas por vez, impedindo que o imóvel seja locado pelo aplicativo Airbnb. A decisão impõe ainda multa diária de R$ 2 mil em caso de descumprimento.
Já o Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu decisão em sentido contrário ao declarar que a ocupação do imóvel por pessoas distintas, em espaços curtos de tempo, via Airbnb, não descaracteriza a destinação residencial, não podendo ser vedada pelo condomínio. “A questão é recente e não houve tempo para que fosse pacificada no Judiciário”, salienta.
Legislação vigente e tendências para o futuro
Na opinião de Batista, a não ser que haja alterações na legislação vigente, o futuro das restrições impostas pelos condomínios às locações por aplicativos está comprometido. “O tipo de aluguel contratado pelas plataformas digitais pode ser enquadrado na chamada locação por temporada, prevista na Lei de Locações. Segundo o advogado, o art. 48 da lei diz que a locação por temporada é “destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde (…) e que não pode ser contratada por prazo superior a 90 dias”. O texto ainda especifica que o imóvel pode ser locado estando mobiliado ou não.
“Não parece haver argumento para a proibição da locação por aplicativo pelos condomínios. Há que se considerar que as plataformas digitais não criaram uma nova forma de contrato locatício, mas somente disponibilizaram meio mais prático e eficaz de intermediação entre os interessados e os locatários, o que reavivou o aluguel por temporada, anteriormente mais comum somente em cidades turísticas e litorâneas”, destaca.
Batista reforça que os condomínios voltam suas energias ao legislativo na busca por essa regulamentação. Ele cita a cidade de Caldas Novas (GO), que criou a Lei Complementar 99/2017 que em seu art. 9º determina que o dono do imóvel deve informar ao fisco municipal o recolhimento da taxa anual de funcionamento e do ISSQN (Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza), o que acaba tornando a contratação menos atrativa e diminui, de forma indireta, o problema dos condomínios.
Âmbito federal
Já no âmbito federal, o advogado informa que o Senado está processando o Projeto de Lei 7.485/15 para alterar a Lei de Locação, atualizando o regime de locação por temporada, incluindo nesta modalidade os imóveis ofertados em plataformas on-line (sites, aplicativos etc.). A Câmara dos Deputados, por sua vez, discute na Comissão de Turismo a melhor forma de regulamentação.
“A questão é polêmica e parece difícil que haja uma breve solução. O fato é que, assim como o Uber, o modelo de negócio do Airbnb já mudou para sempre este mercado”, conclui Batista.