Por Camila Vieira Guimarães e Tatiane Bagagí Faria
Por muitos anos, a modalidade de garantia mais comum – quase prevalecente – nos contratos de locação foi a fiança – o que, nos últimos anos, vem se alterando em razão de novos produtos mais eficientes e menos custos para ambas as partes na locação, como seguros fiança e garantias por título de capitalização, por exemplo. Por meio da garantia fidejussória, uma pessoa se obrigava a pagar por eventual dívida do locatário com o locador do imóvel, tanto nos contratos residenciais quanto comerciais. Assim, na hipótese de o locatário se tornar inadimplente, o locador teria a faculdade de cobrar a dívida do fiador e perseguir o seu patrimônio para satisfação do débito do inquilino.
A fim de dar efetividade à garantia e viabilizar as locações, o legislador, por meio da Lei nº 8.009/90, excluiu o imóvel do fiador em locação da proteção legal da impenhorabilidade do bem de família. Ou seja, a pessoa que for fiadora em locação responderá com todo o seu patrimônio no caso de não pagamento dos aluguéis e encargos locatícios pelo locatário, ainda que só possua um único bem imóvel e este seja utilizado como residência sua e da sua família.
Contudo, a recente decisão do STF, no julgamento do Recurso Extraordinário n.º 605.709, entendeu pela inconstitucionalidade da norma que excluiu da proteção do bem de família o imóvel do fiador de locação comercial, gerando impactos sobre o mercado de locações – tanto para a celebração de novos negócios, como na renovação dos ainda inúmeros contratos de aluguel que se valeram dessa modalidade de garantia.
O fiador ainda possui um papel valorizado na locação de imóveis, uma vez que indica ao locador um patrimônio que demonstre sua capacidade financeira para arcar com as dívidas dos inquilinos, caso venha a ser acionado. Na grande maioria das vezes, esses fiadores colocavam suas próprias casas ou de seus familiares como garantia da locação. Mas, a partir da decisão do STF, essa modalidade de garantia certamente não será bem vista pelos locadores, os quais não terão a segurança de que o imóvel do fiador poderá ser usado para satisfação da dívida do locatário, em razão da garantia do bem de família nos contratos de locação comercial.
Desde 2019, diversos casos sobre o tema chegaram ao STF, o qual decidiu pela impenhorabilidade dos bens de família do fiador em contratos de locação comercial. Em outras palavras, se o fiador só tiver um único imóvel e utilizá-lo como sua moradia, este não poderá ser utilizado para satisfação do crédito do locador pela dívida do inquilino.
O entendimento do STF foi no sentido de privilegiar a garantia fundamental à moradia, prevista na Constituição Federal, em detrimento do direito do locador e da livre iniciativa no mercado de locações comerciais. O impacto da decisão decorre da insegurança jurídica trazida para o bojo da locação comercial ao inviabilizar uma garantia há muito consolidada na praxe, afetando, por conseguinte, questões econômicas e mercadológicas do setor, com possíveis reflexos no custo final das locações comerciais.
Prevaleceu o entendimento de que não é razoável a penhora do único bem de família do fiador para saldar débito oriundo de contrato de locação, pois haveria uma forte violação ao direito de moradia do hipossuficiente em razão de locatário que, na maioria das vezes na hipótese de contrato comercial, detém maior vantagem financeira, prevalecendo os direitos e garantias fundamentais em detrimento dos direitos econômicos.
Tatiane Bagagí Faria, advogada cível do escritório Marcos Martins Advogados.
Camila Vieira Guimaraes, advogada societária do escritório Marcos Martins Advogados.