Por Eduarda Tolentino, CEO da BRZ Empreendimentos

O programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) vive uma fase decisiva de sua trajetória. A recente criação da faixa 4, destinada a famílias com renda de até R$ 12 mil, reacendeu debates fundamentais sobre os rumos da política habitacional brasileira. Enquanto o governo celebra a possibilidade de atender 120 mil famílias em 2025 por meio da expansão, agentes do setor imobiliário ainda aguardam mudanças importantes que permitam atender melhor as camadas com renda mais baixa da população, onde se concentra 85% do déficit habitacional do país.
Os números revelam um cenário complexo. A faixa 2 do programa, voltada a famílias com renda entre R$ 2.640 e R$ 4.400, enfrenta desafios crescentes. Dados do Secovi-SP mostram que, em 2024, 60,3% das unidades lançadas no 4º trimestre foram destinadas ao MCMV, enquanto 39,7% foram para outros padrões. O desequilíbrio reflete um problema estrutural: o valor médio de R$ 5.418 por m² muitas vezes não se compatibiliza com os tetos de preços estabelecidos, especialmente em cidades como Campinas e São José dos Campos, onde os valores podem chegar a R$ 7.532 por m².
A estrutura do programa atual precisaria ser readequada. Pessoas da faixa 2 que queiram adquirir imóveis da faixa 3 não podem se beneficiar da taxa de juros de sua própria faixa, sendo levadas a buscar financiamentos mais caros no mercado. Essa inflexibilidade limita o acesso à moradia e pressiona as margens das incorporadoras, que já enfrentam desafios como estoques elevados (em Araçatuba, por exemplo, o escoamento pode levar até 32 meses).
Paralelamente a esses desafios, um fenômeno transformador emerge nas cidades do interior que fazem parte de regiões metropolitanas relevantes. Cidades como Ribeirão Preto apresentaram crescimento extraordinário de 259,3% nos lançamentos imobiliários no último trimestre de 2024, enquanto Campinas consolidou sua liderança com 24,6% do total de unidades lançadas no estado. Essa expansão reflete uma combinação de fatores: o bônus demográfico (aumento da quantidade de jovens em idade de adquirir o primeiro imóvel), a queda no desemprego, a busca por melhor qualidade de vida a preços mais acessíveis e os modelos de trabalho híbrido e home office.
Para aproveitar esse potencial e garantir que o MCMV cumpra sua função social, quatro ajustes são urgentes: (1) atualizar o teto de preço da faixa 2 para refletir adequadamente os custos reais de construção, que se elevaram; (2) permitir a migração entre faixas sem perda de subsídios; (3) direcionar preferencialmente os recursos para cidades do interior com infraestrutura consolidada, evitando a repetição de erros do passado com conjuntos habitacionais em áreas periféricas desprovidas de serviços; e (4) aumentar os tetos para as cidades das regiões metropolitanas com economias mais potentes, que estão desatualizados, permitindo a oferta das incorporadoras em mais localidades.
A expansão para a faixa 4 é, sem dúvida, um ponto positivo, mas é necessário também resolver os gargalos que afetam a faixa 2, onde o déficit habitacional é mais agudo. O caso do interior paulista demonstra que é possível conciliar crescimento do mercado imobiliário com inclusão social, desde que haja políticas públicas bem desenhadas. Com a iminente discussão do aumento do teto das cidades pelo Conselho Curador do FGTS, no dia 15 de abril, surge uma oportunidade única para corrigir rumos, ouvindo tanto as incorporadoras – que conhecem as dinâmicas locais – quanto as pessoas que buscam conquistar sua casa própria.
Dados recentes da pesquisa realizada pela BRAIN em parceria com o Secovi-SP, envolvendo 41 cidades do interior paulista, reforçam a importância do programa para a dinâmica econômica da região. O levantamento mostrou que 21% dos financiamentos do MCMV saíram dessa região. Além disso, a intenção de compra de imóveis no interior é 13% superior à média nacional, revelando um mercado aquecido e com forte demanda reprimida. Outro dado relevante é que o programa representou 25,9% do Valor Geral de Vendas (VGV) nessas cidades no 4º trimestre de 2024 — um indicativo claro de que o MCMV é peça-chave para o desenvolvimento urbano e econômico desses municípios.
O sucesso do MCMV nos próximos anos dependerá da capacidade de equilibrar o foco social com um modelo de expansão sustentável e financeiramente viável para as incorporadoras do segmento econômico, aproveitando as lições que o vigoroso mercado do interior paulista tem a oferecer.
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