“A proposta apresentada pela Petrobras às distribuidoras, que poderá resultar, a partir de janeiro de 2022 e pelos próximos quatro anos, em aumento de 50% no valor do gás natural, poderá ter sérias consequências para nossa atividade”, alerta Benjamin Ferreira Neto, presidente do Conselho de Administração da Anfacer (Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimentos, Louças Sanitárias e Congêneres). A entidade representa o setor que é o segundo maior consumidor industrial de gás natural do Brasil.
O dirigente salienta que o segmento de revestimentos cerâmicos fez elevados investimentos para converter o gás natural na sua principal fonte energética. “Foi uma opção movida pela responsabilidade ambiental e constante busca pela sustentabilidade. Não podemos agora ser apenados por termos adotado uma prática ecológica correta”, pondera, revelando que a Anfacer enviou ofício ao presidente Jair Bolsonaro, apontando o problema da iminente majoração e solicitando soluções.
O Brasil é um dos protagonistas no mercado mundial de revestimentos cerâmicos e louças sanitárias, ocupando a terceira posição em produção e a segunda em consumo, além de ser o sétimo no ranking das exportações, com vendas para mais de 110 países. O segmento é, também, um grande gerador de empregos e renda e representa 6% do PIB da indústria de materiais de construção.
“Respondemos por cerca de 14% de todo o gás natural de uso industrial no País”, ressalta Ferreira Neto, afirmando: “Prevemos sérias consequências para nosso setor caso se confirme a majoração, claramente sinalizada na proposta da Petrobras às distribuidoras. Um encarecimento de 50% de um insumo que representa 30% do custo total de fabricação do metro quadrado de cerâmica afeta de modo muito contundente a competitividade do setor no Brasil e no comércio exterior”.
O presidente do Conselho de Administração da Anfacer lembra que, em abril deste ano, a indústria cerâmica comemorou a sanção presidencial da nova Lei do Gás, que prometia promover a abertura do mercado, representando um choque de energia barata e contribuindo para a recuperação da economia. Cabe ressaltar que o novo marco legal resultou de um processo de muitos anos, no qual a entidade foi uma das que mais se mobilizaram.
O metro cúbico de gás natural no Brasil já é um dos mais caros do mundo. Diferentemente do que se vislumbrava quando da aprovação do novo marco regulatório, pela proposta da Petrobras às distribuidoras cujos contratos vencerão no fim de dezembro, o preço do insumo subirá de aproximadamente US$ 8 para US$ 12 por milhão de BTU durante o primeiro ano de vigência dos novos contratos.
Tal majoração dilapidará a competitividade da indústria cerâmica brasileira, que prevê chegar, ao fim deste ano, à marca de um bilhão de metros quadrados produzidos. Em 2022, caso a política da Petrobras confirme-se, estima-se queda de 32% na produção nacional, ou 320 milhões de metros quadrados que deixarão de ser fabricados. Haverá consequente redução de 26% na geração de novos empregos. O impacto também será significativo nas exportações, com perda de 30% no ingresso de divisas.
“A despeito da crise energética global, não se admite um aumento tão expressivo no preço do gás natural, no momento em que o setor industrial é decisivo para a criação de emprego e renda, em meio a uma das maiores crises da História”, avalia Ferreira Neto, concluindo: “Na verdade, toda uma cadeia produtiva será punida por uma política de preços que vai na contramão dos preceitos de livre mercado”.
Visão do mercado
Eduardo Roncoroni Fior, diretor-geral da Cerâmica Carmelo Fior, localizada no interior paulista, salienta que “o retrato sobre os possíveis aumentos do preço do gás é catastrófico para todos os setores consumidores intensivos e gerará o repasse de custos aos consumidores”. As consequências serão mais inflação, diminuição significativa do poder aquisitivo da população, menor atração e desestímulo de investimentos nacionais e internacionais. “Até agora, não foi possível ver o choque daenergia barata e sim majoração significativa”, observa.
Antônio Marcos Schroth, presidente do Conselho da Infragás, frisa: “As Indústrias cerâmicas de Santa Catarina dependem do insumo. Se este não for minimamente competitivo, várias empresas do nosso estado poderão ter muitas dificuldades em manter o equilíbrio competitivo, considerando as previsões de aumentos na tarifa. Outras indústrias cerâmicas poderão até ser obrigadas a fechar suas atividades, gerando assim um desemprego considerável. Vamos tentar, perante o governo estadual e as entidades de classe, uma alternativa para amenizar os impactos”.
Otmar Müller, presidente do Sindiceram (Sindicato das Indústrias de Revestimentos Cerâmicos do Sul de Santa Catarina), lembra que já houve aumento de 82% nas tarifas do gás natural em 2021, ano no qual deveria ter sido inaugurado o novo mercado, com abertura a mais fornecedores e redução de custos. “Porém, estamos agora em um ambiente de total assombro e incerteza perante as notícias de novos reajustes muito expressivos já em janeiro de 2022”.
Müller observa que há novos fornecedores, mas com a ausência das regulações da ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), a Petrobras continua com o monopólio do mercado brasileiro. “Alia-se a isso o ambiente internacional pós-Covid, com o encarecimento generalizado dos energéticos. A crise hídrica brasileira foi socorrida pelo gás natural. Agora, busca-se empurrar o peso dessa conta para a indústria. Não há como suportar a majoração prevista”.