Por Daniel Cerveira, advogado, sócio do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Advogados Associados
Apesar de ser extremamente relevante tanto para o senhorio como para o inquilino, não é incomum a elaboração de contratos de locação nos quais as partes sequer ventilam sobre a inserção ou não da “cláusula de vigência”. Por outro lado, também são muito frequentes os casos em que as partes se preocuparam com a referida cláusula, mas não atenderam corretamente as formalidades.
A “cláusula de vigência” trata-se de disposição contratual que prevê a obediência do pacto locatício na hipótese do imóvel ser alienado, prevista no artigo 8º, da Lei 8.245/91:
“Art. 8º Se o imóvel for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias para a desocupação, salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel”.
Como se verifica, o artigo 8º determina que na hipótese do “imóvel for alienado durante a locação, o adquirente terá a opção de denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias para desocupação, salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência e estiver “averbado” junto à matrícula do imóvel.
Assim, do ponto de vista do locador/proprietário, é evidente que a não inclusão da citada disposição facilita a venda do imóvel (gera liquidez) e eleva o poder de barganha (majoração do aluguel versus venda do imóvel e risco de despejo). No que se refere aos locatários, especialmente os de imóveis comerciais, a atenção deve ser redobrada, na medida em que o fundo de comércio fica ameaçado (despejo), além do inequívoco poder de negociação que possuirá o adquirente (majoração do aluguel versus despejo).
Ademais, cumpre esclarecer que o locatário poderá ser desalojado independentemente do prazo contratual e, como regra, não terá direito à indenização (salvo dolo).
Quanto ao descabimento da indenização na hipótese de despejo do locatário acionado pelo adquirente, cabe ressaltar que, até pouco tempo atrás, a jurisprudência insistia em condenar o alienante em prestar indenização ao inquilino (RT, 207:332; AJ, 62:439). Porém, atualmente, aliados à boa doutrina, os nossos Pretórios vêm reiteradamente afastando os pleitos indenizatórios respectivos.
Com exceção dos herdeiros (e legatários — art. 10) e usufrutuários (JTA 113/307), o termo “alienado” deve ser entendido como qualquer transferência de propriedade seja a título oneroso ou gratuito como nos casos de compra e venda, doação, cessão, permuta, arrematação em hasta pública, dação em pagamento etc. O benefício é estendido ao promissário comprador e ao promissário cessionário, desde que com a imissão na posse e título registrado junto à matrícula do imóvel (§ 1º, do art. 8).
Pelo exposto, verifica-se que não é a alienação que rompe a locação, mas a eventual denúncia, amparada no princípio da relatividade dos contratos.
Depois da denúncia, o aluguel deverá continuar a ser pago normalmente, sendo vedado no meu entendimento o chamado “aluguel pena”.
A denúncia deve ser exercitada, através de ato inequívoco (notificação), no prazo de noventa dias a partir do registro da venda ou do compromisso, sob pena de presunção de concordância na manutenção da locação (§ 2º, do art. 8). Se o adquirente já ostentava a qualidade de locador, é possível, com fundamento da teoria da aparência, em tese, afastar a retomada antes de findo o prazo contratual.
Por fim, para a “cláusula de vigência” (ou “cláusula de respeito”) gerar os efeitos pretendidos é necessário que o contrato seja por prazo determinado e esteja registrado junto à matrícula do imóvel (a lei utilizou a terminologia incorreta “averbação”, quando deveria ser “registro”). A lógica do referido registro consiste em dar publicidade ao contrato, lembrando que existem precedentes do STJ e do TJ/SP no sentido de dispensar a obrigatoriedade do registro, nas hipóteses em que adquirente já tinha ciência da locação quando “comprou” o imóvel.