Os prós e os contras do mercado de imóveis problemáticos

Por Daniel Gava, CEO e fundador da Rooftop, plataforma de investimentos imobiliários em imóveis em situações especiais

O mercado de retomados e estressados, comumente encontrados em carteiras de instituições financeiras, leilões judiciais e extrajudiciais traz inúmeras oportunidades para o setor imobiliário, em especial, para aqueles que investem e adquirem esses bens. Somente no primeiro semestre deste ano, nós analisamos mais de 2 mil oportunidades, com uso de ferramentas de gestão automatizada de processos e softwares. É um excelente ramo de negócio, mas é preciso ter muito cuidado na hora de adquirir o imóvel, pois não é só vencer a disputa, pagar e levar, existe uma trajetória importante a ser superada, principalmente, quando o assunto envolve o risco jurídico e regularização imobiliária, dois pontos sonegados pelas ofertas disponibilizadas na internet.

Há casos que são rápidos, mas outros podem levar anos. Não existe qualquer padrão. Por mais que você faça uma análise jurídica, não tem como prever quais elementos vão acelerar ou desacelerar o prazo desse processo. Posso elencar vários pontos de atenção na compra de um imóvel dessa natureza. É preciso saber, por exemplo, se você está adquirindo o Direito ou a Propriedade? Se ela está ocupada ou desocupada? E se o imóvel leiloado estiver alugado? No caso de estar com algum ocupante, qual o interesse dele em deixar o local? Tem algum tipo de gravame? O imóvel está alienado ou hipotecado? Qual é a situação do IPTU e também do condomínio, no caso de apartamentos, tem débitos pendentes? Para quem fica esse débito? E se tiver débitos trabalhistas, quem recebe primeiro? O arrematante pode arcar com algum valor fora o lance? A construção está averbada na matrícula?

Outro ponto a ser bem observado é o aumento do número de sites de leilões falsos. Em um dos casos mais recentes foi descoberto um endereço eletrônico não habilitado pelo Poder Judiciário Estadual, que chega até mesmo a usar logomarca do Tribunal de Justiça e banners indicando tratar-se de ambiente seguro na internet. Mas, conforme o órgão, essa informação é falsa, mesmo constando referências ao processo judicial. Cuidado com preços muito abaixo do mercado, facilidade de pagamento e ofertas encantadoras. Essas são algumas das táticas usadas por golpistas para enganar potenciais compradores através de anúncios de leilões judiciais falsos.

Esse mercado está em alta porque a pandemia expôs as desigualdades e revelou as dificuldades de muitos brasileiros em manterem seus compromissos e consequentemente suas propriedades. Apesar de não existir uma entidade que consolide os dados estatísticos sobre leilões no Brasil, o Banco BTG Pactual reuniu informações públicas disponíveis sobre as unidades retomadas no País pelas instituições financeiras e revelou que só os valores desses patrimônios, conhecidos como BNDU (Bens Não de Uso Próprio), representaram R﹩ 18,8 bilhões em 2020, de acordo com os dados do Banco Central. Isso sem contar os enroscos envolvendo imóveis na justiça.

Além disso, com a baixa histórica na taxa Selic em 2020, as adaptações e os avanços tecnológicos cada vez mais acessíveis e baratos, mantém o setor super aquecido. De acordo com dados da Abecip – Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança -, no primeiro semestre de 2021, foram financiados R﹩ 121,7 bilhões, crescimento de 73% se comparado ao mesmo período de 2020, com o financiamento de R﹩ 97 bilhões. A estimativa da Associação para este segundo semestre também é positiva, com o financiamento de outros R﹩ 98 bilhões, dentro do mercado imobiliário nacional.

Diante desse cenário crescente de financiamento, naturalmente os problemas envolvendo imóveis devem acompanhar o fluxo de alta. Muitas empresas têm investido para trazer opções vantajosas a quem investe ou até mesmo soluções alternativas para quem tem o seu imóvel em vias de processo de retomada e leilão. É o caso das proptechs, startups de tecnologia focadas no setor imobiliário, que têm impulsionado muitos negócios simplificando o processo de compra e venda de imóveis. Inclusive, já existem companhias com atuação no segmento de imóveis especiais, ou seja, que estão em processo judicial, extrajudicial, leilão ou pendente de regularização.

Proptech – empresas que usam tecnologia para atender às necessidades imobiliárias (mercados, processos, empréstimos, financiamento, análises, etc.) – viu uma onda de investimento e interesses na América Latina. Vemos isso principalmente como uma forma de aumentar a produtividade em uma área com altas ineficiências e burocracias. E a oportunidade parece grande: US﹩ 4,2 trilhões no PIB tem um viés urbano; com 500 milhões de pessoas, 65% das quais são da geração Y ou mais jovens (vs. 45% nos EUA e 40% na Europa) e aproximadamente 100 milhões dos quais vivem em grandes cidades (+3 milhões), onde a habitação representa uma parte desproporcional da renda familiar. Mais de US﹩ 2 bilhões já foi criado no espaço proptech LATAM, principalmente com foco em residencial;

Os dados são o principal campo de batalha no mercado de imóveis. Simplesmente não há dados públicos sobre o fechamento de transações na maioria dos mercados latinos. Possuir os dados, dimensionar os dados e trabalhar os dados serão, sem dúvida, a chave para a lucratividade e diferenciação a longo prazo. A combinação de equilibrar os fatores como: precificação correta, risco jurídico, liquidez e resiliência do ativo parecer ser a melhor proposta de valor em toda a cadeia, podendo reduzir as ineficiências por meio de dados.

Outro ponto importante é que se antes as oportunidades imobiliárias problemáticas eram dominadas por investidores, detentores de informações privilegiadas, posso dizer que o cenário mudou. Hoje, o principal perfil dos compradores desses ativos migrou para clientes finais, interessados em adquirir o imóvel para morar, seduzidos por preço inferior aos praticados no mercado tradicional, porém o que não sabem é que muitos deles compram esses imóveis sem saber metade dos problemas que vem pela frente, o que pode inviabilizar a aquisição ou no mínimo torná-la desprazerosa.